Nos últimos dias, toda a discussão em volta da economia portuguesa passou pela reunião da concertação social e pela discussão pública do acordo alcançado pelos parceiros sociais nessa sede. O acordo foi apresentado como histórico, um momento de viragem para a competitividade e crescimento da economia portuguesa. Do que li, o acordo parece-me um compromisso razoável que poderá permitir uma maior mobilidade laboral (tendencialmente boa para as empresas e mesmo para os trabalhadores, pois incute maior competição no mercado), desde que as empresas não vejam o acordo como um mero procedimento para a redução de custos com o trabalho (apostando, como até aqui, em aumentar a competitividade pelo lado do preço) mas sim como uma ferramenta para poderem contratar os melhores, mantê-los e obrigar todos os trabalhadores a fazerem mais e melhor. Ainda não é a flexisegurança mas é um passo nessa direcção.
Nesta mesma semana, foi publicado o
índice de economia não registada, relativo ao ano de 2010, da responsabilidade do
Observatório de Economia e Gestão de Fraude, da Faculdade de Economia do Porto. A estimativa aponta para que a economia paralela atinja um valor de cerca 43 mil milhões de euros, o que representa perto de 25% do PIB de 2010. Esta constatação reforça o peso da fuga aos impostos como um dos maiores problemas da economia portuguesa, visto que os investigadores responsáveis pela elaboração deste índice destacam esse fenómeno como o mais importante de entre todos aqueles que constituem a economia não registada. Este problema tem diversas origens - legal (por via do complexidade e pouca clareza das leis fiscais, a que se juntam alguns "buracos" legislativos que proporcionam diversos formas de evasão fiscal), cultural (fugir aos impostos, nomeadamente ao IVA, é um desporto nacional - aliás, uma pessoa que peça uma factura é olhada como se de um extraterrestre se tratasse), judicial (a máquina judicial portuguesa é demasiado lenta, muito por culpa do quadro legislativo para estes caso), administrativa/burocrática (a máquina do estado, pesada em alguns casos, é insuficiente em matéria de inspecção fiscal) e política (como apontam os responsáveis pelo índice, o facto de não haver confiança nos políticos, por via da má gestão dos dinheiros públicos, leva à desculpabilização da evasão fiscal). Se conseguíssemos reduzir a expressão deste fenómeno para metade daquele valor, os problemas de financiamento público e privado com que nos deparamos seriam menos gravosos, o que injectaria mais capacidade de investimento à nossa economia.
Este problema de falta de sentido ético e cívico deve ser conjugado com outra das deficiências crónicas da nossa economia - a disparidade salarial. Como refere o
Henrique Raposo, é impossível que as administrações das empresas portuguesas vivam com ordenados de Nova Iorque ou da City londrina e que a maioria dos funcionários receba valores não muito distantes do ordenado mínimo nacional. Mais uma vez, é o imperativo ético que deve orientar a resolução desta situação. É óbvio que pode haver alguma clarificação no emaranhado legislativo nacional que dirija quer a economia paralela quer a disparidade salarial para valores mais baixos do que aqueles que se verificam actualmente, mas sou da opinião que não há qualquer iniciativa legislativa ou qualquer acção do governo que possa resolver este problema. O que é necessário é um pacto de sociedade que derrube estas duas formas de chico-espertismo, de falta de solidariedade e de sentido cívico - é aqui que se vêem as sociedades que querem efectivamente ser livres.